Manifesto sobre a ciência como um bem público global: acesso aberto não comercial
Manifesto sobre a ciência como um bem público global: acesso aberto não comercial
Toluca, México, 27 de outubro de 2023
“Uma velha tradição e uma nova tecnologia convergem para tornar possível um bem público sem precedentes. A velha tradição é o desejo dos cientistas e académicos de publicarem os frutos da sua investigação em revistas académicas sem terem de pagar por isso, apenas por uma questão de investigação e conhecimento”
(BOAI, 2002).
Com o advento da tecnologia, surgem novas formas de publicar e aceder ao conhecimento científico. Vinte anos depois das Declarações de Budapeste (2002), Bethesda (2003) e Berlim (2003), os objetivos iniciais de abertura foram repetidamente desviados por interesses comerciais e foram identificados problemas sistémicos inerentes aos vários modelos propostos para a concretização do acesso aberto. É necessário analisar as várias vias para a concretização do acesso aberto com base nos valores da equidade, qualidade, sustentabilidade e facilidade de utilização, com o objetivo de tornar a ciência uma conversa global.
O Acesso Aberto Comercial substitui as taxas de subscrição de revistas por taxas de processamento de artigos (APC, sigla do termo em inglês article processing charges), uma distorção do movimento original. Do mesmo modo, surgiram acordos “transformativos” que, na prática, se tornaram a institucionalização de um modelo do setor comercial para privatizar um bem público: o conhecimento.
Assim, o Acesso Aberto foi forçado a adotar novos nomes para distinguir as soluções comerciais das não comerciais, estreitando o foco original do movimento. Foi assim que surgiuo Acesso Aberto Diamante.
As revistas científicas deixaram de ser um veículo de comunicação para se tornarem um produto de mercado, primeiro com taxas de leitura e depois com taxas de publicação. Um dos problemas da mercantilização é a consequente exclusão que gera, rompendo assim com uma das condições essenciais dos bens públicos: a não exclusão. Em contrapartida, o avanço das tecnologias e o modelo não comercial de sustentabilidade permitiram o consumo não rival do conhecimento científico, a segunda condição essencial dos bens públicos: a não rivalidade.
O problema é alimentado pelos sistemas de avaliação da atividade científica, construídos em torno dos canais comerciais de geração, circulação, consumo e valorização do conhecimento científico. Gera-se assim um círculo vicioso impossível de romper com a lógica do mercado e que põe em risco não só o desenvolvimento científico, mas também a construção pública e a preservação da memória científica coletiva.
O Acesso Aberto Diamante, entendido como a publicação sem taxas de leitura ou publicação, criado e mantido por organismos académicos e científicos, bem como o Acesso Aberto via verde, são ambos referências de modelos não comerciais compatíveis com o paradigma dos bens públicos, e são inclusivos por definição.
Os princípios que regem este manifesto são os seguintes:
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Direito universal
A ciência é um bem público mundial e o acesso a ela é um direito universal.
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Equidade, diversidade e multilinguismo
A ciência é inclusiva, multilingue, acessível, reutilizável e colaborativa.
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Propriedade da academia e património da humanidade
A produção científica é propriedade da academia e é devida ao desenvolvimento e ao progresso da sociedade como património da humanidade
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Reconhecimento e apreciação
Os organismos de acreditação, investigação e financiamento devem reconhecer, avaliar e incentivar os meios não comerciais de produção e circulação de conhecimentos científicos.
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Colaboração
A interação e a colaboração entre agentes não comerciais, publicações científicas e infraestruturas abertas são necessárias para criar ecossistemas de bens públicos.
Torna-se imperativo declarar o Acesso Aberto Não Comercial, através das suas vias Diamante e Verde, propriedade do meio académico, como uma via para a Ciência como um Bem Público Global. Uma abordagem historicamente dominante na América Latina, nas Caraíbas e em muitos outros países de outras regiões.
Do mesmo modo, a experiência e os desafios sistémicos convidam-nos a construir coletivamente um ecossistema científico que dê a todos a oportunidade de participar. Da mesma forma, a comunidade de investigação deve ser reconhecida pelos seus esforços para preservar um modelo de comunicação que beneficie as suas sociedades e que enquadre processos e condições que nos permitam controlar que o conhecimento retorne àqueles a quem é devido, que o produzem e o sustentam com fundos públicos.
Em consonância com os progressos realizados no reconhecimento dos contributos do setor não comercial para o Acesso Aberto e a Ciência Aberta, anteriormente manifestados em esforços coletivos internacionais como as Recomendações da UNESCO para a Ciência Aberta e o 20.º aniversário da Iniciativa de Budapeste para o Acesso Aberto (BOAI), é feito um apelo à ação das instituições, dos governos, da comunidade de investigação e de todas as partes interessadas para que reforcem, reconheçam, sustentem e avancem no sentido da Ciência como um Bem Público Global.