ARTÍCULOS DE INVESTIGACIÓN
DOI:
10.24142/raju.v14n28a4
Revista Ratio Juris Vol. 14 N.º 28, 2019, pp. 109-126 © UNAULA
Recibido: 20 de enero de 2019 - Aceptado: 15 de junio de 2019 - Publicado el: 30 de julio de 2019
Mestrando em Direito nas Relações Econômicas e Sociais na Faculdade de Direito Milton Campos (FDMC). Bacharel em Direito (FDMC). Bolsista CAPES. Membro do Núcleo de Estudos sobre Gestão de Políticas Públicas (NEGESP). ORCID: http://orcid.org/0000-0001-5297-3902, email: thiagods@live.com.
Empresária, Mentora de negócios, Consultora empresarial, Palestrante, Professora, GP, TEDx Organizer, MBA, email: luduarteo@hotmail.com.
Resumo
Este trabalho pretende analisar o monopólio da verdade pela mídia tradicional e sua capacidade de exercer influência no eleitor, alterando resultados eleitorais. O estudo pretende trazer uma abordagem comparativa e histórica da atuação e importância da imprensa clássica e das atuais redes sociais. Será verificada a transformação da sociedade sob a ótica da era da pós-verdade, que possibilitou a alteração da dinâmica de publicação editorial de conteúdos e fomentou o surgimento e disseminação de notícias falsas. No aspecto prático pretende-se compreender o real impacto das redes sociais, da mídia tradicional e das fake news no debate político-democrático da sociedade, bem como aferir as suas influências nos cenários eleitorais.
Palavras-chave: Mídia tradicional, monopólio da verdade, fake news, redes sociais, pós-verdade.
Abstract
This article aims to analyze the monopoly of the truth of traditional media and its ability to influence voters, changing the election’s results. The performance and importance of traditional media and social networks will be studied through a historical and comparative approach. This work also aims to understand the social transformation in the era of post-truth, which changed the publishing market, encouraging the dissemination of fake news. The key priority is to capture the true impact on the political and democratic debate of social networks, traditional media and fake news, as well as their ability to influence elections.
Key words: traditional media; monopoly of the truth; fake news; social media; post-truth.
Resumen
Este artículo pretende analizar el monopolio de la verdad de los medios de comunicación tradicionales y su capacidad para influir en los votantes, cambiando los resultados electorales. El rendimiento y la importancia de los medios tradicionales y las redes sociales se estudiarán a través de un enfoque histórico y comparativo. Este trabajo también pretende comprender la transformación social en la era de la posverdad, que cambió el mercado editorial, fomentando la difusión de noticias falsas. La prioridad clave es captar el verdadero impacto en el debate político y democrático de las redes sociales, los medios de comunicación tradicionales y las noticias falsas, así como su capacidad para influir en las elecciones.
Palabras clave: medios de comunicación tradicionales, monopolio de la verdad, fake news, redes sociales, posverdad.
As relações entre a mídia e o poder foram modificadas ao longo dos anos com o aprimoramento dos meios de comunicação e com a transformação da forma com a qual a humanidade se comunica. Tais modificações puderam ser sentidas em diversos momentos históricos e são notadas especialmente por provocarem impactos diretos nas eleições e no exercício geral da democracia.
A modificação mais recente e certamente uma das mais revolucionárias ocorreu com o início da era digital, momento que marca, ainda hoje, uma profunda alteração nas relações e na comunicação humana. Assim como nas diversas áreas afetadas por esse fenômeno, o jornalismo e a mídia experimentam o que pode ser identificado como um ponto de partida para alteração de toda a concepção em que a mídia foi fundada, já que ocorre uma inovação completa na forma de se comunicar.
Mesmo com as mudanças ocorridas ao longo dos anos, um aspecto não se altera: a mídia concentra em mãos o poder de influenciar, seja no aspecto cultural, seja no político, poder que sempre foi gerido à maneira de ser ampliado a cada momento.
Tamanho domínio com o consequente potencial de interferência político- democrática contribui para as relações entre os meios de comunicação, o público e os representantes sejam carregadas de subjetivismos. O crescimento das denominadas fake news torna o cenário caótico, possibilitando o questionamento da credibilidade dos veículos especialmente em um momento que os critérios de confiança parecem se tornar cada vez mais obscuros.
O impacto das fake news nos cenários eleitorais é um recorte que merece o aprofundamento para compreensão da dimensão do poder da mídia no cenário atual. Diretamente relacionada a essa nova era de difundir as notícias, o ato de compartilhar informações falsas é uma das ameaças à cobertura jornalística neutra, pressuposto fundamental para o bom relacionamento entre mídia e democracia. Se na denominada era da pós-verdade a veracidade da informação se tornou um mero detalhe essa dinâmica apenas contribui para o cenário de incertezas que se configurou.
Em meio essa nova era de ascensão da mídia alternativa, compreender o papel que mídia irá exercer no cenário político parece fundamental para projetar os rumos da democracia nas próximas décadas. Especialmente se analisada a questão em paralelo com a perspectiva da mídia tradicional que, nesse momento, vê seu domínio ameaçado e parece tomar medidas para retomá-lo.
Já se começa a notar as consequências na realidade política que essa revolução irá desencadear; assim, tendo em vista os percalços que a mídia contemporânea terá para se consolidar, a mídia tradicional se sustenta como a principal formadora de opinião, usando-se do que as fake news representam à democracia para frear a ascensão dessa nova era do jornalismo.
A MÍDIA TRADICIONAL E SUA INFLUÊNCIA NOS CENÁRIOS ELEITORAIS
As implicações da mídia na política, no Direito, e em especial, na democracia, são profundamente discutidas e questionadas há décadas. O controle dos meios de comunicação representa uma ferramenta valiosa na dinâmica da política e do poder dado o potencial de influenciar e manipular a opinião da sociedade, alterando a percepção dos fatos, determinando as pautas e elegendo quem merece o espaço para a construção da imagem.
O papel primordial exercido pela mídia é o de transmissão da informação. Tal função se tornou fundamental, sobretudo nos últimos séculos, já que pela dinâmica do mundo atual o indivíduo depende da mídia para se informar e inteirar de assuntos diversos que influem ou não o seu cotidiano (Gans, 2003).
Contudo, essa função vai muito além de um simples mecanismo para a transmissão da informação em geral, inclusive, “é provável que a notícia, por si só, não tenha efeito de nenhum tipo, mas, especialmente as pessoas, as declarações, os eventos e os tópicos sobre os quais as notícias se reportam que efetivamente geram efeitos” (Gans, 2003, p. 69). Implica dizer que, por diversas vezes, o veículo e a forma com a qual a notícia é transmitida são mais importantes no impacto da informação do que efetivamente o conteúdo anunciado.
Assim, dotada do meio de definir a forma na qual a informação é difundida a mídia detém um efetivo poder, que pode ser utilizado de maneira benéfica, ao possibilitar o acesso do indivíduo à informação de maneira completa, neutra e objetiva ou pode ser utilizado para a defesa de interesses específicos e na massificação a opinião da sociedade ao seu proveito.
Criticando a forma com a qual esse poder é utilizado, Dumitrescu e Mughan (2010) lembram que “a mídia é, de fato, uma força política, mas o controle e a manipulação da elite se somam à apatia pública para assegurar que funcionem em grande parte para manter a democracia representativa em sua atual forma limitada, ao invés de reformá-la” (p. 490). Assim, tradicionalmente, o poder da mídia é usado primordialmente para a manutenção do status quo e não para propor e implementar mudanças políticas e sociais.
Interessante notar que esse poder concentrado na mídia tradicional decorre de uma construção histórica. Por certo, o longo processo de consolidação da credibilidade envolve os vários atores que influenciaram essa formação ao longo dos anos, como o próprio governo. No Brasil, as relações tecidas entre a mídia dominante e o governo frequentemente levantam questionamentos. Inclusive, essa relação pode ser apontada como determinante nas supostas inclinação politico-ideológicas que transparecem até hoje na mídia dominante (Marinoni, 2015).
Embora a dominação esteja diretamente relacionada à concentração de recursos econômicos —e, no caso do mercado de televisão, os altos investimentos exigidos reforcem essa relação—, ela não pode ser interpretada como seu mero reflexo. A seleção direta de um grupo restrito pelos sucessivos governos, por meio da política de outorgas e de mecanismos indiretos de regulação do setor (empréstimos, fiscalização, isenções etc.), imprime um perfil político discricionário à conformação do sistema brasileiro de comunicação, jamais rompido ou contrariado, embora com frequência venha a ser justificado a partir do discurso tecnocrático da adequação técnica eficiente (Marinoni, 2015, p. 15).
Analisando-se sob um âmbito mais prático, é possível observar os impactos da representação midiática diretamente em todas as eleições no Brasil após a redemocratização. A eleição de 1989, no particular, é emblemática para registrar como a relação entre a mídia e os representantes se tornou mais estreita no início do novo do período democrático, especialmente, pois naquele momento, “a televisão passa a desempenhar um papel importante na representação da realidade social no momento em que se consolida uma indústria cultural marcada pela concentração da mídia” (Rubim, Azevedo, Leal, Alcântara e Magalhães, 2003, p. 2).
A concentração da mídia é um problema que deve ser combatido em favor de uma distribuição democrática do espaço público, seja para a promoção dos direitos individuais seja em favor do fortalecimento da diversidade fundamental à democracia. Todavia, geralmente se observa um padrão na qual a propriedade dos meios de comunicação está concentrada nas mãos de poucas empresas, porém gigantes do ramo, cujo domínio está minando a esfera pública regional e até global (Deane, 2005). Assim, essa concentração se consolida como um efetivo poder econômico sugerindo a formação de um monopólio da informação, sedimentado por décadas, e usado como mecanismo para moldar os contornos políticos da sociedade, perpetuando o “ciclo vicioso” no qual a mídia tradicional exerce o seu poder para manipular o palco democrático em favor da manutenção do acúmulo desse seu próprio poderio.
Há, contudo, uma ferramenta com um vultoso potencial para revolucionar este quadro, influenciando na dissipação da concentração do poder da mídia tradicional, além de permitir uma mudança profunda na forma difusão da informação e, consequentemente, revolucionar a relação da mídia com a democracia e a política, qual seja: a internet.
ALTERAÇÃO NA DINÂMICA DO CONTROLE EDITORIAL
Desde sua origem, a web se formou como uma plataforma descentralizada de propagação de conteúdo que, após sofrer um processo de massificação e democratização, se consolidou como o meio de interação que vincula diversos grupos heterogêneos em um amplo e constante fluxo de informações (Cardon, 2012).
Em decorrência dessa descentralização, a Internet revoluciona a comunicação e coloca em cheque a mídia tradicional, tanto em relação à forma (jornal, televisão e rádio perdem espaço), como em relação ao domínio —antes exercido pela mídia conservadora, formada pelos grandes conglomerados que sempre mantiveram o monopólio dos meios de comunicação—. Afinal, “a estrutura de múltiplas entradas e o custo relativamente baixo promovem a dispersão das notícias na Internet” (Waisbord, 2006, p. 67) que, embora não possibilite qualquer pessoa ser um jornalista, certamente propõe novas condições para dispersão do jornalismo.
Utilizar o termo revolucionar não é exagerar para caracterizar o processo a qual a mídia passa com a digitalização. Os parâmetros incorporados agora mudam completamente a forma de produzir jornalismo, especialmente observando-se a perspectiva para o futuro, já que “novas tecnologias podem transformar a natureza da narração das histórias e do conteúdo de mídia em geral para maneiras potencialmente positivas e envolventes, especialmente com públicos mais jovens” (Pavlik, 2008, p. 4).
Não obstante os grandes veículos de mídias tradicionais tenham conseguido acompanhar os avanços tecnológicos da era da digitalização (pois migraram ou estenderam seus domínios para a internet), as características deste novo espaço permitiram a ascensão dessa forma alternativa de mídia.
A SembraMedia, com o propósito de mapear essa ascensão na América Latina, apontou que ocorreu um crescimento significativo dos veículos alternativos nos últimos anos assim como a importância destes no cenário midiático. Como o crescimento é relativamente recente, apura-se mais da metade dos empreendimentos digitais de mídia tem menos de quatro anos de existência.1
No entanto, existe uma diferença fundamental nesta nova forma de difusão da informação em relação à mídia tradicional. A propagação das informações na internet se dá de maneira distinta dos veículos tradicionais, tais como jornal, rádio ou televisão. Isto é, para se adequarem ao ritmo demandado da web, é possível que a informação seja postada antes da checagem e da apuração.
Vive-se e se está imerso em uma época em que os sites noticiosos têm o dever de publicar matérias novas a cada momento. Embora se considere a etapa de edição de um conteúdo publicado, estes veículos pautam sua rotina com a responsabilidade irreal de trazer a notícia “real time” e de realizar uma “cobertura” sobre tudo o que acontece no mundo. Cobertura aqui tratada no sentido equivocado, porque por cobertura jornalística entende-se a coleta de informações devidamente apuradas, o que nem sempre acontece. O que se vê e se chama de “tempo real” é a simples reprodução de fatos, sem que ao menos estes sejam checados nos moldes que prega o fazer jornalístico (Mancuzo, Silva e Boni, 2012, p. 7).
Incorporado nessa rede de informações, que propaga notícias em quantidade e velocidade cada vez mais intensas, o indivíduo se vê em meio de uma enxurrada de informações, recebidas nas mais diversas plataformas e cuja veracidade e procedência nem sempre podem ser checadas de imediato.
Nota-se, portanto, que o aumento dos números de vozes impõe um obstáculo à consolidação da credibilidade e da confiança dos veículos que se propõem a fazer o jornalismo. Se a princípio a facilidade de acesso e participação nesse novo espaço de informação seja um impulso à ascensão da mídia independente, ainda há a concorrência com a mídia conservadora que expandiu a rede de domínio carregando a confiança e credibilidade há muito consolidada.
Em apertada síntese, a internet modificou a dinâmica da comunicação e a forma com a qual as notícias se difundem no mundo. Em decorrência dessa diversificação e descentralização da produção de conteúdo, a princípio, a mídia tradicional perdeu espaço para novos veículos independentes que contribuem para a difusão da informação, ajudando a construir a pluralidade fundamental à manutenção da democracia. O fortalecimento dessa mídia independente é, a princípio, um fator extremamente positivo para a democracia, contudo, surge a preocupação decorrente da rápida veiculação de informações e notícias, que sem o prévio controle e apuração tradicional pode contribuir para um dos mais recentes problemas relacionados à mídia contemporânea e à democracia: a disseminação de fake news.
A difusão irrestrita de notícias falsas, aliada à credibilidade ainda não completamente sedimentada dos novos veículos de comunicação, pode interromper a quebra da concentração dos meios de comunicação exercida pelos veículos tradicionais da mídia, especialmente em um momento em que a verificar a veracidade da informação começa a não ser tão importante ao indivíduo que no processo de formação da opinião.
O FENÔMENO DAS FAKE NEWS E A ERA DA PÓS-VERDADE
Nos últimos anos o termo fake news ganhou grande popularidade, tornando- se cada vez mais frequente nas conversas cotidianas e noticiários. A propagação de notícias falsas não é algo recente, nem mesmo deste século, mas o seu crescimento está diretamente relacionado à democratização da internet e expansão do espaço público virtual. Sob a aparência de notícias jornalísticas, histórias falsas são rapidamente difundidas e distribuídas entre milhares e milhões de segundos por meio da internet. Desse modo, muito em razão da velocidade que as informações se difundem ou mesmo em decorrência da própria dinâmica social que tem incentivado seu consumo, as fake news têm aumentando cada vez mais o seu mercado.
O mundo vive hoje na era da pós-verdade, na qual as pessoas dão cada vez menos importância a fatos objetivos e cada vez mais a emoções e crenças pessoais. A sociedade atual tende a evitar verdades desconfortáveis (Kreitner, 2018), dando espaço para que fofocas, rumores e até mentiras se espalhem rapidamente, o que explica o crescente fenômeno das fake news.
A opinião pública, que antes era totalmente formada pela imprensa tradicional, hoje acaba sendo influenciada diretamente pelo reconhecimento das pessoas umas nas outras. É mais confortável confiar no próximo, do que na imprensa que acabou conquistando a fama de tendenciosa e parcial. Carlos Castilho (2016) entende tal situação como normal e decorrente das novas tecnologias que proporcionaram a criação e propagação de um volume inédito de informações.
Nos últimos anos, pesquisadores de opinião e pesquisadores políticos começaram a documentar uma mudança fundamental na forma como os americanos estão pensando sobre as notícias. [...] Cada vez mais, nossos argumentos não são sobre o que deveríamos estar fazendo —na guerra do Iraque, na guerra contra o terrorismo, no aquecimento global, ou sobre qualquer número de assuntos controversos— mas, em vez disso, sobre o que está acontecendo. Os cientistas políticos caracterizaram nossa época como uma das intensificadas polarização; agora, como vou documentar, o partidarismo rasteiro começou a distorcer as nossas próprias percepções sobre o que é “real” e o que não é. De fato, você pode chegar a dizer que agora estamos lutando por versões concorrentes da realidade. E isso é mais conveniente do que nunca para alguns de nós viver em um mundo construído a partir de nossos próprios fatos (Manjoo, 2008, p. 2).
As informações se transformaram em mercadorias de troca, logo, a pretensão de validade é menos importante do que a expectativa de realização de desejo que a informação possa satisfazer (Giacoia, 2017). Com efeito, surgem no ambiente digital novas informações e notícias a todo o tempo, impulsionando a veiculação e rápida disseminação das fake news.
E de fato o assunto é preocupante: as fake news ganharam uma atenção muito especial nos últimos tempos, haja vista os seus nocivos impactos, capazes até mesmo de influenciar e alterar cenários eleitorais. Tão preocupante que diversas empresas especializadas em fact checking estão surgindo e ganhando destaque no mercado. Redes sociais e mecanismos de busca têm contratado tais empresas especializadas na identificação de fake news, que ficam responsáveis pela checagem dos fatos veiculados, reportando às empresas suas conclusões e sugerindo a exclusão das notícias consideradas falsas.
Inclusive, recentemente no Brasil ocorreu uma polêmica envolvendo a rede social Facebook e a verificação de notícias por meio de agências parceiras de checagem de fatos. Na oportunidade em questão, o Facebook retirou do ar, aproximadamente 196 páginas e 87 contas pessoais, segundo informações do O Globo,2 relacionadas ao Movimento Brasil Livre (MBL), por veiculação de fake news.
Em verdade, essa não foi a primeira e nem será a última polêmica envolvendo as ditas notícias falsas e as recentes agências de checagem, mas de certa forma serve para empoderar novamente a imprensa tradicional, que, via de regra, possui maior reputação e reconhecimento, inclusive pela comunidade acadêmica e científica, de certo grau de confiabilidade.
Desse modo, mesmo com a democratização da internet e alteração da dinâmica de difusão de conteúdo, as mídias tradicionais ainda permanecem fortes, exercendo grande influência, já que acabam possuindo o monopólio da verdade, pelo menos em princípio.
No entanto, apesar do crescimento das fake news e, consequentemente, da perseguição a elas, a internet ainda permanece como importante difusor de informações, ganhando cada dia mais relevância. Não obstante o espaço público digital ainda não ter conseguido enterrar as mídias tradicionais —por conta de elas ainda deterem o monopólio da verdade— seu poder reduziu muito com o advento da internet.
A tendência é de reduzir ainda mais, visto que cresce a cada dia a desconfiança acerca da parcialidade dos grandes conglomerados de mídia. Além do fato de que a verdade está perdendo, cada vez mais, seu espaço a sociedade atual e no debate público, o que abre mais espaço para o crescimento da desinformação na população. Em uma primeira análise, é certo dizer que o combate às fake news é altamente necessário. No entanto, a repercussão da polêmica envolvendo o MBL e o Facebook expõe, também, outro lado da moeda do controle de informações: o direito à liberdade de expressão.
Assegurar a imparcialidade na checagem de notícias é uma tarefa extremamente difícil, senão impossível, o que definitivamente acaba por conflitar diretamente com a liberdade individual de expressão. O problema é ainda maior quando o uso (ou abuso) do direito fundamental à liberdade de expressão torna-se justificativa para a disseminação de desinformação na sociedade.
A era da pós-verdade tem trazido consequências graves e tende a trazer ainda mais com o crescimento das redes sociais. Com a eleição americana de 2016, restou demonstrado o potencial elevado das fake news, enquanto principal produto da pós-verdade, em confundir os eleitores da sociedade. Igualmente, no Brasil, a disseminação de notícias falsas cresceu muito no processo eleitoral de 2018, causando grandes impactos. O fenômeno das fake news evidencia, no cenário político, um grave prejuízo à civilidade do debate democrático, além de criar condições de influenciar negativamente o eleitor.
REDES SOCIAIS, FAKE NEWS E INFLUÊNCIA NOS CENÁRIOS ELEITORAIS
O desenvolvimento de novas tecnologias proporcionou a democratização da internet, que cresceu ainda mais com o surgimento e popularização das redes sociais, como Facebook, Twitter, Instagram e até mesmo WhatsApp. Hoje, qualquer indivíduo facilmente se conecta à internet por meio de um computador ou de um smartphone.
Com efeito, o aumento da disseminação das fake news é causado, principalmente, por conta do crescimento da popularidade das redes sociais. Os professores de economia, Hunt Allcott e Matthew Gentzkow (2017), da Universidade de Nova York e Stanford, respectivamente, entendem que o ambiente das redes sociais é extremamente propício para o surgimento e disseminação de fake news.
A princípio, os custos fixos de produção de conteúdo nas redes sociais são extremamente baixo, o que facilita a entrada de novos players no mercado (Allcott e Gentzkow, 2017). Esse fator traz um grande impacto, na medida em que são aumentadas as margens de lucros em curtíssimo prazo e em pequena escala, os produtores de conteúdo acabam investindo nas fake news. Ademais, na era da pós-verdade, a construção de uma reputação de qualidade e confiabilidade a longo prazo perde importância, o que incentiva ainda o surgimento de páginas e perfis especializados na divulgação de desinformações.
A dificuldade de verificação da veracidade das informações publicadas nas redes sociais é outro fato que incentiva a veiculação de notícias falsas. Até mesmo o próprio formato de divulgação nas redes sociais, em que, nem sempre todo o conteúdo é publicado, mas tão somente de pequenos trechos dificulta ainda mais a verificação e contribuem para a rápida disseminação das fake news.
Outrossim, a segmentação das amizades nas redes sociais, em grupos ideologicamente semelhantes também influi. Segundo Bakshy, Messing e Adamic (2015) a probabilidade de alguém ler e compartilhar um conteúdo que esteja alinhado com as suas posições ideológicas é maior do que quando o conteúdo é conflitante com sua afiliação ideológica (a participação média de amigos com ideologia oposta é de apenas 20%, quando progressistas, e de 18 %, quando conservadores).
Como já apontado, o crescimento das fake news, principalmente nas redes sociais, tem um grande potencial de influenciar eleições, por meio da manipulação dos eleitores, que acabam acreditando em informações que encontram na internet. Isso foi observado com grande intensidade na eleição presidencial americana de 2016. Na ocasião a Amazon Alexa monitorou o compartilhamento de conteúdos nas redes sociais e o acesso à notícias por meio de mecanismos de busca (buscadores, como Google), 690 sites de notícias ligados à mídia tradicional e 65 sites de fake news.
Figure 3.1 Mídia tradicional - Fake news
Fonte: elaborado pelos autores.
Os gráficos acima apresentam os dados coletados pela Amazon Alexa (alexa.com) de tráfego, acesso e compartilhamento de notícias, da mídia tradicional e de fake news, respectivamente, entre o fim de outubro e o fim de novembro, no período eleitoral de 2016 nos Estados Unidos. As informações consolidadas corroboram com a afirmação de que as redes sociais são um espaço extremamente propício para a disseminação de fake news. Como se observa, apenas 10,1% dos acessos a notícias, tidas como verdadeiras pelo monopólio da verdade da mídia tradicional, se deram por meio das redes sociais, enquanto de fake news o número quadruplica, atingindo quase 42 pontos percentuais.
A situação é de fato alarmante, já que as redes sociais são o meio que, de longe, proporcionam os maiores índices de acesso, tráfego e compartilhamento de fake news. É mais preocupante ainda, quando visto que o monitoramento não considerou os acessos por meio de smartphones, além de não ter auferido (por conta da impossibilidade evidente) os dados relativos à mera leitura de informações nos feeds das redes sociais, sem que tenha havido alguma interação com a publicação (curtida, comentário ou compartilhamento).
Outra pesquisa, realizada pela Pew survey (Gottfried e Shearer, 2018), concluiu que 62 % dos americanos adultos acessam notícias por meio das redes sociais. Comparando, quantitativamente, com os dados da Alexa, a probabilidade de estarem expostos a uma notícia falsa é quatro vezes maior do que de estarem diante de uma notícia verdadeira. Isso demonstra a importância das redes sociais para a difusão das fake news e explica o crescimento deste fenômeno.
Diversos estudos têm exposto o grande potencial das fake news influenciarem cenários eleitorais, como a mídia tradicional um dia já influenciou. Em especial, um estudo recente (2018), realizado pelos professores Brendan Nyhan (Dartmouth College), Andrew Guess (Princeton University) e Jason Reifler (University of Exeter), demonstrou o impacto da disseminação de fake news na eleição presidencial americana em 2016.3 O Brasil, certamente também será objeto de estudos futuros, tendo em vista que, semelhante ao ocorrido nos Estados Unidos, a intensa disseminação de fake news foi uma das pautas dominantes do processo eleitoral de 2018. As redes sociais se consolidaram no protagonismo da corrida presidencial brasileira e estiveram no centro das maiores discussões a respeito do papel da nova mídia no futuro da democracia.
Já na época de pré-campanha bastantes fake news circularam, contribuindo para confundir o eleitor. A preocupação com o impacto das notícias falsas cresceu e se tornou objeto de um esforço mútuo entre o Tribunal Superior Eleitoral, a Polícia Federal e as empresas proprietárias das plataformas de redes sociais para sua contenção.4 E, como esperado, a campanha também foi marcada pela circulação incontrolável de notícias falsas e pelo esforço, não apenas dos candidatos, mas também das instituições democráticas e da mídia tradicional,5 em esclarecer o que era real e o que era fabricado, na tentativa de permitir ao eleitor a escolha com base em critérios objetivos e verdadeiros.
Poucos dias antes do primeiro turno, o maior jornal brasileiro, Folha de São Paulo, publicou uma matéria relatando um suposto esquema de disseminação em massa de notícias falsas, por meio do WhatsApp, que teria sido financiado por empresas para favorecer um dos candidatos à Presidência. A ação de “disparos em massa” consistiu no impulsionamento, por meio da rede social, de mensagens, em larga escala para bases de eleitores do próprio candidato ou bases fornecidas pelas empresas contratadas para realizar os disparos, provocando a rápida difusão e disseminação de conteúdo, supostamente, falso.6 Foi aberta uma investigação no âmbito do TSE para apurar as denúncias, assim como a Procuradoria Geral da República requereu à Polícia Federal abertura de investigação.7
De certo, não é possível afirmar que as notícias falsas foram efetivamente determinantes, a ponto de alterar o resultado das eleições no país. No entanto, é seguro afirmar que a influência do fenômeno alterou sim, profundamente, o tom das campanhas e impactou diretamente na relação da mídia com o cenário eleitoral. Inclusive, pesquisa realizada pelo IDEIA Big Data constatou que aproximadamente 98% do eleitorado do presidente eleito, Jair Bolsonaro (PSL) foi exposto a notificas falsas e que, destes, aproximadamente 90 % acreditavam ser verdadeiras tais notícias.8
O ocorrido no Brasil confirmou o que havia sido observado sobre o fenômeno: há dificuldade de se impedir a disseminação em massa de notícias falsas pela internet e pelas redes sociais; a tendência verificada é de exponencial crescimento das fake news, tendo as redes sociais se tornado um “instrumento de guerra” (Singer e Brooking, 2018), passível de ser utilizada por quaisquer indivíduos, que as manipulam conforme as suas necessidades e própria conveniência.
A diversificação das mídias de comunicação e o surgimento de uma nova maneira de reprodução da informação foi um fenômeno impulsionado pelo desenvolvimento tecnológico. Conquanto tal quadro contribua para dissipar a influência da mídia tradicional exercida historicamente, a forma com a qual as notícias são veiculadas ainda traz incertezas à construção da confiança e credibilidade desses veículos.
Isso decorre do vertiginoso crescimento das fake news, fenômeno que está diretamente associado à ampliação dos agentes transmissores das notícias. Seja pela mídia alternativa, seja pelo mero compartilhamento de informações nascidas nas redes sociais, o espalhamento das notícias falsas se tornou uma realidade de influência direta no cenário político de vários países. Verifica-se que há uma mudança na dinâmica da sociedade que permite tal fenômeno, que hodiernamente prefere os boatos aos fatos. Não que se trate de uma espécie de culto à mentira, mas retratam a indiferença com a verdade por parte dos indivíduos.
No cenário político o valor dado à verdade é menor ainda, já que, desde muitos anos, políticos entendem a mentira como um mal necessário e um importante instrumento em favor de suas candidaturas e atuações políticas. A própria mídia tradicional se vale de tal recurso para exercer influência política sobre seus consumidores.
O impacto nos cenários eleitorais pode ser severo e trazer grandes prejuízos à democracia, já que mina os próprios espaços democráticos de discussões políticas, além de polarizar ainda mais as sociedades. Neste aspecto, até mesmo Hannah Arendt (1967) questiona se não seria das próprias essências da verdade, a impotência, e do poder, enganar?
O que se observa deste contexto é que a disseminação de fake news, acaba por restaurar, de certa forma, o poder da mídia tradicional, que acaba ganhando o status de monopolista da verdade, da credibilidade e da confiança. O crescimento das redes sociais torna as notícias falsas importantes mecanismos de exercício de influência sobre eleições e sobre o próprio embate político em uma sociedade, talvez até mais do que a mídia tradicional, que, embora tenha retomado o monopólio da verdade, ainda possui a pecha de serem parciais.
A campanha eleitoral brasileira presidencial de 2018 foi um importante parâmetro para compreender melhor a força das redes sociais no exercício de influência sobre o eleito. De certo, a mídia tradicional perdeu parte de seu espaço e capacidade de influência sobre o eleitor para as redes sociais. No entanto, também é verdade que o crescimento da desinformação traz de volta parte de seu prestígio. Resta questionar agora se a retomada de parte do seu poder ainda é suficiente para influenciar e alterar cenários políticos e eleitorais de uma nação.
O fenômeno observado e as polêmicas envolvendo o processo eleitoral de 2018 deverão servir de base à busca de mecanismos para o enfrentamento da desinformação generalizada, que já demonstrou ser um grande problema. A princípio, depreende-se desta realidade que a melhor forma de enfrentar as fake news e combater a era da pós-verdade é o esclarecimento dos cidadãos, não a supressão dos novos veículos que ousam desafiar o poder político e econômico da mídia tradicional.
Mais do que nunca, é necessário questionar o domínio da imprensa tradicional e estimular a diversidade dos meios de comunicação para evitar refortalecer o monopólio da verdade que, por muito tempo, regeu a política e a democracia no país. A internet tem se demonstrado, mesmo diante de alguns problemas, como uma alternativa importante neste sentido, proporcionando um novo meio de consolidação de novas formas de mídia contemporâneas, que servirão para reafirmar o direito fundamental à liberdade de expressão e, ainda, deporão a soberania dos grandes conglomerados de mídia.
1 Veja em https://goo.gl/vJLKL9
2 Veja em https://goo.gl/SP1ffE
3 Concluíram, na pesquisa, que 5 em cada 5,45 fake news divulgadas eram favoráveis ao candidato republicano ou contrárias à candidata democrata, tendo, portanto, influenciado diretamente na eleição de Trump.
4 Reconhecendo a capacidade de influência das fake news no cenário eleitoral, capaz de mudar resultados, favorecer ou prejudicar candidatos, antes mesmo da eleição, o então presidente do Tribunal Superior Eleitoral, Ministro Luiz Fux, declarou publicamente existir a possibilidade das eleições serem anuladas pelo tribunal, caso o resultado fosse influenciado pela difusão de notícias falsas. Veja mais em https://goo.gl/MSvz4B
5 Além do esforço conjunto do TSE, Polícia Federal e redes sociais, os principais conglomerados tradicionais da imprensa brasileira (Estadão, Exame e Folha) se uniram na tentativa de conter as fake news, ou pelo menos de seus eventuais danos, tendo sido implementado o projeto Comprova, objetivando atestar a veracidade dos conteúdos circulados na internet, reafirmando a posição dominante da imprensa clássica enquanto “porta-vozes” da verdade. O projeto pode ser acessado em: https://projetocomprova.com.br.
6 Veja em https://goo.gl/HdgFBM
7 Veja em https://goo.gl/mZwWCV
8 Veja em https://goo.gl/xBdqvJ
Arendt, H. (1967). Truth and politics. The New Yorker. Recuperado de https://www.newyorker.com/magazine/1967/02/25/truth-and-politics
Bakshy, E., Messing, S. e Adamic, L. (2015). Exposure to ideologically diverse news and opinion on Facebook. Science, 348(6239), 1130-1132.
Cardon, D. (2012). Democracia na Internet: promessas e limites. Rio de Janeiro: Forense Universitária.
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